Durante estes 59 anos de ministério pastoral, vivenciei situações e momentos tensos, alguns engraçados, outros tristes, mas todos, de algum modo, evidenciando a providência e a bondade de Deus, e o poder salvador e transformador do evangelho. Aqui está a primeira história.
Tocando o intocável
Eu estava pastoreando a Igreja Presbiteriana das Graças, em Recife e pregando uma série de sermões expositivos no Evangelho de Lucas. Naquele domingo, preguei sobre a cura de um leproso, por Jesus (Lc 5.12-16). Descrevi a situação física, social e psicológica dos leprosos nos tempos bíblicos. Eles eram expulsos do convívio familiar e social, não podiam aproximar-se de ninguém e muito menos ser tocados. Entretanto, Jesus permitiu que aquele leproso se achegasse e, “estendendo a mão, tocou-lhe”. O titulo do meu sermão foi “Tocando o intocável”. Eu não sabia que no dia seguinte, eu estaria “tocando o intocável”.
Uma senhora da igreja, Eunice Diniz, me pediu para visitar uma jovem hospitalizada com uma doença grave, Pênfigo, popularmente conhecida como Fogo Selvagem. Fui visitá-la no mesmo dia.
Os familiares da jovem não eram evangélicos. Sua mãe me recebeu à porta. Sobre a cama, sentada, vi uma jovem despida, apenas com uma beirada do lençol cobrindo o colo. Seu corpo estava coberto de feridas, do alto da cabeça aos pés. Perguntei à senhora sua mãe se queria que eu esperasse do lado de fora. Ela fez-me entrar, enquanto explicava que, devido às feridas, a moça não podia vestir-se, nem cobrir-se, nem deitar. Estava muito humilhada e deprimida.
Fiquei profundamente compadecido, e me lembrei da mensagem pregada no dia anterior, e de como Jesus, compadecido, aproximou-se do leproso e o tocou. A aparência da moça pareceu-me a de um leproso…
Conversamos por cerca de meia hora, tempo suficiente para eu lhes falar do amor de Deus e da salvação pela fé em Cristo. Elas se mostraram bastante receptivas. Então, eu coloquei a mão direita sobre a cabeça ferida da moça e as conduzi numa oração de fé e entrega a Jesus.
Passados dois ou três dias, voltei a visitá-las. A moça estava fraca, mas em paz. Chegou a sorrir quando me viu. Perguntei-lhe se estava firme na fé, segura de sua salvação. Acenou que sim.
Na semana seguinte, Eunice me ligou para contar o que aconteceu. A jovem entrou em coma por 24 horas. Quando voltou a si, estavam no quarto, alem dos pais, a Eunice, uma freira e um médico. A moça disse à mãe:
“Mainha, eu vou morrer, mas não se entristeça. Eu vi Jesus e ele me mostrou um lugar lindo e me disse que eu vou morar ali… Eu quero ir para casa para ver meus irmãos antes de morrer”.
O médico, sabendo que não havia mais nada a fazer, concordou. A família morava no interior. A mãe, temendo que a filha falecesse durante a viagem, pediu à freira que lhe arranjasse umas velas. A moça ouviu e lhe disse, com dificuldade:
“Eu não preciso de velas… Eu tenho a luz de Jesus! E eu não vou morrer antes de chegar em casa e ver meus irmãos…”
Ela ainda pediu a Eunice que me beijasse as mãos e me dissesse que ela estava salva, que aqueles dias, quando a visitei, foram os mais felizes de sua vida, até porque eu me aproximei dela, o que outros evitaram fazer. No dia seguinte, já em casa, com os irmãos, ela faleceu… Ou devo dizer que foi para aquele lugar lindo?
Não tenho dúvida de que, naquelas seus dias finais, tão sofridos, se conhecesse mais a Bíblia, aquela moça teria dito a famosa frase do apostolo Paulo: “Tenho o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Filipenses 1.23).
Extraído e resumido do meu livro “Vida de Pastor – Memórias de uma Jornada”.
Próxima semana, outra história. Se desejar, comente ou me envie um e-mail: [email protected]